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Para onde como ¿

Registros por Cristiano Barbosa

Release por Fernanda Bevilaqua:

partimos de um grande incômodo coletivo que se inicia nas eleições para presidente no Brasil e se estende para os dias, sem um respiro ou brechas de algum vislumbre para uma saída possível que nos indique caminhos para sentirmos pessoalmente ou coletivamente que estamos fazendo "oposição" a isso que é um descompasso, um desgoverno, um desserviço à democracia _______________

falo eu, fala você, falam elaeleelaseles, "pessoas" que carregam cada qual uma bandeira, um discurso indignado que por ora só se faz possível uma incorporação de cada um a um e todxs ___________ empatia corporificada.

 

e no mais__________ muitas e diversas vezes, mastigar e engolir cada qual e "juntas" o próprio DesejoDiscurso e introjeta-lo no interior do CérebroIntestinoCoração no intuito de sentir que (ainda) tem gente para escutar a pergunta latente que dá corpo aos corpos desse "Trabalho".

Ficha técnica

 

Olhar afeto e suporte sempre: Artista/criadora/ educadora e provocadora: Clara Bevilaqua

Direção artística, concepção cênica e preparação corporal: Fernanda Bevilaqua

Iluminação: criação e operação: Ronan Vaz

Figurinos: Concepção para a pré estréia e criação para 2020: Ronan Vaz

Som/operação: Alexandre Roiz

Performance de página: Marcelo Camargo

Mixagem da música final: Lucas Vidal
Músicas: Maybe 2 e Engole o Choro

 

Olhar fotográfico e pitacos luminosos: Cristiano Barbosa

 

Ambientação cênica e criação: Fernanda Bevilaqua com provocação de Ronan Vaz

 

Provocações: Eduardo Bevilaqua e Marcelo Camargo

 

Flyer de divulgação: Clara Bevilaqua

Agradecimentos especiais: Iara Schmidt, Camila Soares, Panmela Tadeu, Luciane Segatto, Rosane Chagas, Lucia Geralda, Margareth Sandra, Gabriela Carolino

À Mariana Macedo nossa lembrança, reconhecimento e afeto (por integrar o grupo durante o primeiro semestre e trazer suas questões para compor conosco a dança pergunta que nos incomoda.

Elenco

Pesquisa, criação de movimentos e atuação:
Amanda Benfica Mariano
Anna Carolina Rosenburg Ferrari
Ayla Brogio Soler
Beatriz Palmer Barros Alvarenga
Cecilia de Ávila Resende
Gabriela Luiza Oliveira
Julia Toscano de Resende

Criação: 2019 

Estréia: dezembro de 2019 - Palco de Arte

Músicas:

• Objeto ainda menos identificado - Gilberto Gil

• The Sound Of Silence - Sílvia Pérez Cruz

• Burn It Blue - Elliot Goldenthal, Caetano Veloso, Lila Downs

• Grândola Vila Morena - Garotos Podres

• Chacarera Santiaguenã - Tambores de Tierra

• Disequilibrium - Meredith Monk

• Maybe 2 - Meredith Monk

• Engole o Choro - Rapper Close

Crítica por Fernando Barcellos

 

Quatro mergulhos rápidos em para onde como ¿

 

1. No dia 5 de setembro de 2000, em uma mesa de discussão realizada quando do lançamento do volume “Nietzsche”, da coleção Folha Explica, escrito por Oswaldo Giacoia Jr., Peter Pál Pelbart, ao elogiar as “90 páginas miúdas para consumo rápido” que constituíam o volume, citou o próprio Nietzsche: “Com problemas profundos, eu procedo da mesma maneira que com banho frio: entro rápido, saio rápido”. Acredito que escrever sobre uma performance é um problema profundo. Assim, neste texto meus mergulhos serão rápidos.

 

2. para onde como ¿, com a cia. jovem uai q dança, carrega em seu título uma questão que me remete à problemática estabelecida por Maurice Blanchot acerca da Literatura. O pensador crê que, melhor do que a pergunta “o que é a literatura?”, é a pergunta “para onde vai a literatura?”. O que parece estar nas entrelinhas da pergunta de Blanchot é que interessa-lhe menos a origem da literatura (que só pode ser acessada como um enigma, já que desaparece na iminência de seu aparecimento) e mais as transformações pelas quais a literatura constantemente passa em sua travessia. Penso que, em se tratando de dança contemporânea, também interessa mais a pergunta “para onde vai a dança contemporânea?”. A performance da cia. jovem parece não preocupar-se com as origens de sua dança, pois desde que entramos no teatro, somos lançados no olho do furacão formado pelas sete jovens bailarinas que interpretam (e também criaram) o trabalho. De imediato, nos perguntamos para onde elas vão em cena, e como. 

 

3. As paredes do teatro estão sujas. O movimento das bailarinas é visceral. A música é vertiginosa. Durante todo o trabalho as intérpretes estão imersas em uma dinâmica em que ora dançam isoladas, ora estão engalfinhadas, agarradas fortemente umas às outras, como se, somente juntas, quase que fundidas, pudessem traçar uma rota. Para onde quer que vão, só podem ir juntas, ainda que eventualmente se separem. É o que parecem nos dizer. Ainda que jovens, são mulheres. No plural. Seus corpos são diversos, suas habilidades em dança são distintas, seus modos de existir em cena são variados. E tal diversidade faz piscar no trabalho uma espécie de brilho. A performance parece não quer nem condensar todas em uma representação homogênea de mulher, nem reafirmar o gênero feminino das intérpretes. Com o tempo, de fato, a impressão que tenho é que deixo de ver jovens mulheres em cena, e começo a ver corpos contrassexuais (expressão do pensador e ativista Paul B. Preciado) que podem ser eu, a outra, outres. 

 

4. Quando saio do teatro, é como se não saísse. Porque ao sair, ainda estou no país do impeachment de 2016, da campanha eleitoral de 2018, da posse presidencial de 2019, da demonização das pautas identitárias, do desmonte dos programas sociais, da saúde pública, da educação, das universidades públicas, do horror ao pobre, ao preto, ao índio, ao gay, às lésbicas, às pessoas trans. De algum modo, o espetáculo da cia. jovem consegue dar corpo a esse caos e tenta, ainda, traçar rotas de enfrentamento e de fuga através dos corpos dançantes das intérpretes. para onde como ¿ não responde nada, parece não querer responder nada. Na verdade, a performance me deixou mudo. “Dizer o que quando tudo desaba?”, diria Wilfrid, personagem da peça Litoral, do libanês Wajdi Mouawad, quando descobre que seu pai havia morrido. É sobre os escombros desabados que para onde como ¿ constrói sua dramaturgia. Uma dramaturgia que, estranhamente, diz respeito a todes nós.

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